segunda-feira, 17 de setembro de 2007

No Jardim


"Estou pronto. Não posso postergar mais", assim despertou do transe no qual embarcou nas últimas semanas. Sua vida havia parado. Neste impulso pegou o telefone e discou lentamente.

- Você está me ouvindo? - disse decidido.

Do outro lado da linha somente uns ruídos seguidos de um frio silêncio. Mas continuou decidido:

- Estou a caminho. Será rápido e será a última vez que incomodarei você.

Obteve consentimento e saiu em direção à sua dor. Ao chegar Toda a sua coragem foi murchando como uma flor que é arrancada do seu lugar, do seu caule, da sua terra. Sua cor já não se percebia. Sentiu vontade de acachapar-se e nunca mais atuar nenhum movimento. Num suspiro derradeiro, porém, expôs toda a sua glória de doente.

- Agora posso enxergar. Sou dono de olhos fundos, cobertos de desalento e razos. Passaram-se muitos dias até que tudo fizesse sentido. Nada faz sentido. A esfinge que alicia minha vida é o consentimento de sentir o que não deveria. Meu pensamento agora passeia por um jardim seco e vasto. Não posso voltar a ser o de antes, já não vivo mais em um corredor sempre na espera. Espero, porém, todas as noites sua voz, seu tom, seu timbre cantando para adormecer. Sorrindo, segurando sua mão, enrolado nos teus cabelos.

O único som naquele quarto era a respiração ofegante de ambos. Abilio e Melina nutriam-se apenas de apatia. Este sentimento, porém chegara ao fim para ele. Uma fusão de sensações invadiu Abilio, o ritmo do desabafo era alucinante até esta pausa. Sua expressão mudou, a confusão tomava conta da sua face. Continuou:

- "Por que saí do abandono de mim mesmo em que vivi?", essas palavras de Fernando Pessoa velam a minha insônia. Faço e refaço esta pergunta. Bastou o pouco que és e o muito que mostrou-me para este abandono se ofuscar. Agora tenho você, mas não te possuo. Isso não faz sentido. Nada faz sentido. Meu sono não faz sentido. Não durmo. Sua presença tornou-se um consterno intenso e frequente. Não consigo mais...

Foi interrompido por Melina que ensaiou dizer algo, mas o som da sua voz o torturava. Era como estar no paraíso, uma delicia, repugnante. Era a primeira vez que sentia isso. Atirou. Estava entre o que queria ser, o que era e o que acabava de acontecer. Caiu na cama, prendeu o folêgo que ainda lhe restava e dormiu. Finalmente dormiu. O quarto - agora vermelho - cheirava a margaridas.