quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Margem da Luz

Tic-tac-tic-tac-tic-tac. E nada acontece no meu coração. O tempo passou para mim, e não sinto mais nada que me faz suspirar. Nunca fui de falar sozinho. Enlouqueci a este ponto? Acredito que sim porque todas as noite me pego recriando aquela conversa que nunca acabamos.

-As vezes me sinto tão sozinha – você disse rompendo o silencio.
- Sozinha? - respondi da cozinha abrindo a segunda garrafa de vinho da noite.
- Eh no meio de tanto “te quero”, “meu bem”, “te amo” mora a solidão. Uma necessidade.
- E será que alguém pode curar esse sentir só?


Deitei na nossa cama e mais uma vez olhava para a sua beleza tentando te decifrar. Haviam coisas escondidas atrás do que realmente queria dizer. No fundo eu sabia que era um grito exigindo ajuda. E quantas vezes eu tentei…

Dias após a ultima vez que senti o seu lado da cama quente, abri os olhos para a realidade que fugia. Você se foi e nos nunca terminamos aquela conversa. Tudo que eu tinha era quarto possuído de lembranças e remorsos.

Os cafés que nos costumávamos ir, os nossos restaurantes predilectos, os parques que nas tardes de domingo eram o nosso lar. Andei sem rumo pelas ruas parisienses a procura dos seu olhos verdes que transbordavam juventude e medo. Tudo em vão. Tao frágil você escapou.

Sem resposta aceitei o destino decidido. Desinfectei o meu ser de tudo que qualquer pessoa possa chamar de amor. Desapeguei-me de tudo que era nosso. O sentimento, porem, não foi de liberdade.

Neste momento você deve estar nos braços de outro procurando pelas respostas que não pude te dar. Tudo que eu fiz e disse nunca penetrou tua mente. Eu apagava os incêndios quando necessário, mas a causa destes somente você poderia controlar. Nem eu, nem nenhum homem no mundo pode te ajudar. Você esta alem de qualquer ajudar.

Nas ruas de Paris a paixão transcende no ar, mas tudo que respiro eh poeira e asfalto. O Rio Sena que embala as luzes da cidade e traz o tom dos encantos dos amantes para mim fede. Esta parte da cidade para mim esta morta. Não me engana e não me serve.

Vago pelas ruas de Paris que não pertencem aos amantes. Elas pertencem a homens como eu, sem tudo que vive e com nada que merece belas palavras num poema. Sento no bar da esquina, bebo e faço colegas. Conversamos sobre o que somente seres como eu e eles –humilhados e escarrados - entendem. Matando tempo enquanto estamos a espera do nosso doce.


As moças chegam pontualmente a meia noite. Quando todos se transformam! Os velhos se tornam jovens, as prostitutas se tornam amantes e o licor tornar-se a cama. Elas já me conhecem. Ruivas, morenas, loiras. Todas. E se havia alguém novo no bar, daríamos dicas e nomes das favoritas. Eu, porem, nunca tive uma favorita, para mim elas todas cheiravam o mesmo e tinham a mesma voz e rosto.

Nesta parte da Paris o ar eh sujo, o tempo eh outro. O bar logo estava coberto em fumaça de cigarros e charutos e cheio de garrafas vazias – como o espírito dos frequentadores.

Cantos e urros de alegria. A espero das outras 23 horas do dia havia acabado. E nos poderíamos finalmente ser o que queríamos. Os pervertidos eram pervertidos, os românticos eram românticos, os suicidas eram suicidas, os bêbados eram bêbados. Esta era a hora que ninguém procurava por respostas. Sem disfarces para a sociedade.

Com sucesso o dono do bar fecha as portas antes das duas da manha. Nos, os marginais, nos escondemos em motéis, becos, apartamentos por mais uma noite de suado prazer. Eu sigo acompanhado para a minha casa.

As únicas mulheres que recebem meu amor são as prostitutas que eu pago para irem embora. Vivo na euforia do gozar, este eh o meu momento. Nunca sou violento e sempre respeito as moças. Elas são especiais para mim. Lealmente elas voltam todas as noites com os corações e pernas abertas. Sem complicação e sentimentos. Do jeito que eu gosto.

Eu sorrio ao fim, levanto deixando uma boa gorjeta no travesseiro e sigo para o banho. Sei que quando voltar a cama estará vazia e fria – como sempre, como eu gosto. Somente negócios. O meu único momento de felicidade eh uma transação financeira entre eu e uma puta.


Limpo e livre de pecados ascendo um cigarro e assisto a cidade adormecer. Mais um vez me escondo atrás do meu vinho favorito: La Derniere Goutte. A última gota. Os meus dias são os mesmos. A luz do sol já não encontro. Troco a noite pelo dia. Afundei num sub-mundo de letargia. E não, o nome do vinha não eh simplesmente coincidência. Eu vivo na minha última gota de vida. Na margem, sem arrependimento ou vergonha.